terça-feira, 3 de março de 2009

Idiotas importantes 1

Creio ser uma pessoa irreverente. Desde sempre. Discutia sobre religião com o professor dessa matéria no colégio, que fazia afirmações favoráveis sobre espiritismo, e eu dizia em alto e bom som que ele estava errado, lendo o Deuteronômio 18, 9-12 em voz alta, da Bíblia que trazia de casa. Achava absurdo num colégio católico ouvir tal coisa. Era uma situação muito estranha, a cara de idiota dos meus amiguinhos ao testemunhar tal transgressão os olhos deles, nossa, nunca me esqueço. Olhos de quem tinha simplesmente medo de dar razão a um colega de calças curtas, pois se o professor estava ali para ensinar, não seria eu quem diria que ele estava errado, apesar de embasado numa passagem bíblica lida durante tal discussão. Os mesmo olhos, para meu espanto e não sei se horror ou divertimento, flagro na faculdade, quando discuto com algum professor sobre uma besteira dita. Claro, quanto melhor, mais capacitado, mais ciente do magister o profissional é, menos besteiras você ouve. Já tive a emoção, oh!, de assistir aulas um semestre inteiro e não ouvir nada. Não que eu seja um aluno que vai pra aula pra ficar enchendo o saco do professor, querendo ser o reacionário. Não escuto Rage Against The Machine. Vou pra aula para assistir e apreender o mais que posso, claro, das matérias que eu gosto, as outras, vou para pagar meus pecados... Deve ser por isso que não me formei ainda.

Depois de tantos anos, mudança de curso, transferências, sou um universitário meio 'rodado', e sinto-me muitas vezes como um funcionário público daqueles escrotos, que vai pro serviço com nenhuma outra finalidade a não ser ir. Sempre aprendi mais em casa do que na faculdade, logo não vou com muita sede ao pote na maioria das vezes. Então nessas andanças já vi os tais olhos de "que coisa, ele quer discutir com o professor" inúmeras vezes. E que fique claro, nunca imaginei-me sendo um nenhum pioneiro nessa atitude de questionar os mestres. Apesar desse comportamento ter me feito um pouco diferente da maioria das pessoas, ainda não descobri se isso é bom ou ruim, a pessoa a quem mais questiono sou eu mesmo, e nunca tive o estrelismo de me sentir o primeiro ou último dos questionadores. Não questiono e corrijo por falsa modéstia nem porque acredito que os coitados dos professores sentem-se ameaçados do alto de suas torres de marfim, mas porque estamos numa sala da aula para aprender, vamos aprender certo. Tem alguma lógica, ?

A última que me lembro foi dia desses, o pobre foi inventar de dizer que Bill Gates, sim, ele mesmo, inventou o sistema de janelinhas e tal do sistema operacional 'Ruindowz', da Micro$oft. Pra que? Não aguentei e disse que ele estava enganado, que quem aperfeiçoou tal conceito foi o povo da Xerox, e Steve Jobs da Apple habilmente 'pescou' isso deles, e fez um sistema operacional, o Mac OS. Numa ironia do destino, o próprio Jobs, numa bizarra duplicidade que mudou para sempre o mundo como conhecemos, apresentou o tal Mac OS a Gates, que produziu uma cópia pior, o Windows. Tem até um filme sobre isso, muito fiel à história real, e tem uma frase fantástica: "bons artistas copiam, grandes artistas roubam". O professor ficou com cara de cu e bradou "sou professor a 30 anos de computação", frase que eu responderia grosseiramente, não tenho a menor dúvida, a 5 anos atrás, com algo do tipo "imagine um professor de geografia que não soubesse onde fica o Oceano Atlântico, o que o senhor diria a ele?"

A temperança é uma boa qualidade, e dizer que era professor a tantos anos só mostrou que ele acusou o golpe, pois um grande mestre, e já tive alguns pouquíssimos, caso eu estivesse errado, responderia com suavidade, calma e cuidado, que eu havia me enganado, pois no livro tal, página tal, encontraria a resposta certa, bem como no livro tal, capítulo tal, enfim, me daria farta documentação para provar que eu estava errado, ajudando enormemente a construção do meu saber, pois não há nada pior do que duvidarmos do que está sendo ensinado, e ao contrário, não tem nada melhor que sentirmos grande segurança no que estão nos ensinando, colocando à prova, e examinando, e concluindo que são conceitos verdadeiros. Tem nada novo nisso, os sábios gregos já questionavam seus pupilos sobre o que estava sendo ministrado a eles, agitando a compreensão, eletrizando o espírito, tirando o aluno de uma posição passiva para o dinamismo do aprendizado crítico.

O tempo passa, o tempo voa, o Bamerindus foi engolido pelo HSBC mas o jingle ainda tá na minha cabeça, e porra, e as pessoas continuam com medo de dizer aos importantes que estão errados, mesmo se for besteira.

Fui procurar não sei o que no meu alter ego Google e li uma dessas coisas que faz você parar de fazer o que quer que fosse, e ter vontade de ir atrás da pessoa que disse o que você acabou de ler, e dar várias tapas na cara dela. Várias.

Steve Ballmer, CEO da Micro$oft disse em 2007:

"É uma pergunta um tanto engraçada. Devo trocar 96% do mercado por 4%? (Risos) Quero ter produtos que sejam atraentes a todos. (…) Não há qualquer chance de que o iPhone conquiste uma significativa parcela do mercado. [A Apple] pode ganhar muito dinheiro com ele, mas se você olhar o 1,3 bilhão de celulares que já foram vendidos eu preferiria ter nosso software em 60% ou 70% ou 80% deles do que ter 2% ou 3%, que é o que a Apple pode conseguir."
http://www.usatoday.com/money/companies/management/2007-04-29-ballmer-ceo-forum-usat_N.htm

Não tenho como não me aborrecer profundamente, pois primeiro ele errou grotescamente na análise, o iPhone tornou-se um sucesso global, e agora briga com o Blackberry, que diga-se de passagem tem maior penetração no mundo corporativo. Segundo, fica patente que inúmeras companhias enormes, assim como inúmeros professores, erram e não admitem. Fica patente o uso por Ballmer da estratégia MID, que consiste em espalhar medo, incerteza e dúvida sobre os concorrentes. O mundo empresarial não é exatamente um ambiente dos mais limpos, e joga-se pesado, principalmente entre companhias com faturamentos com mais zeros que bolinhas nas costas de um tubarão baleia.

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O concorrência é um jogo de puxa-empurra que conhecemos bem, e essa prática de "o produto dele é ruim", ao invés do "meu produto é bom", também não é novidade. O que irrita, além de um CEO falar tal coisa, é a diferença entre uma empresa menor, interessada verdadeiramente em utilizar todas as capacidades humanas para realmente produzir um produto tão incrível como a imaginação humana, e uma que tem por prática usar sua capacidade de jogar sujo para ganhar. Creio ser esse um dos motivos que fazem a Apple e outras empresas terem um brilho próprio, e não ter consumidores, mas fãs, pois mesmo inconscientemente, as pessoas notam essa vontade infinita de fazer honestamente o melhor, de utilizar todo esforço da humanidade para fazer o melhor, não só vender mais, ou ser uma gigante idiota como a Micro$oft. A Apple por pensar demais assim quase faliu, mas se reinventou e conseguiu equacionar bem esse "fazer o melhor", com questões mercadológicas.

Considerar-se depositário da verdade absoluta, não dando margem a questionamentos, respondendo com todo tipo de falácias, como a ad antiquetatem do o professor (a 30 anos sou professor e tal), é defeito grave. Seria interessante identificarmos o quanto antes este erro em nós, e lutar para destruí-lo, porém creio que não há muito que fazer em relação aos outros, nem muito menos a organizações. Tenho visto progressos nesse fenômeno, e muitas organizações tem revisto posicionamentos e corrigindo-se.

Tenho pessimismo quanto a esta autoavaliação pois há perigos escorragadios como a relativização de tudo, a possibilidade de que seja visão geral que tudo depende do ponto de vista, enfim, as mesmas distorções desde os tempos das cavernas.

Fico imaginando um mundo interessante onde as pessoas falassem as maiores verdades do mundo com a falta de emoção como quem dá as horas morrendo de sono, num aeroporto, esperando uma conexão que parece demorar tanto quanto o fim do mundo, que agora me ocorreu, marcaram para 2012.

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