quarta-feira, 4 de março de 2009

Entrevista à Veja do Senador Jarbas Vasconcelos


Desde que o faraó, digo, presidente JK decidiu fazer a cidade que é muito bonita, diferente e moderna, digo, igual a uma aí do Egito antigo, é confusão demais ali, nossa.

Agora é com o Senador Jarbas, um ousado a dizer coisas que muitos poderesos não querem ouvir, na entrevista à Veja, e que eu nem tinha lido, diga-se de passagem. Como as coisas escritas ficam escritas se ninguém apagar, li, e me assombrei. Grifos em vermelho dos trechos que me assombraram mais.

Entrevista: Jarbas Vasconcelos
O PMDB é corrupto

Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes
do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de
José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso


Otávio Cabral

Cristiano Mariz

"A maioria se incorpora a essas coisas pelas quais os governos vêm sendo denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral"

A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação. Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem. Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões. Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".

O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado? É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores. Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado? Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB... Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar? Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.

Para que o PMDB quer cargos? Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.

Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista? De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.

Por que o senhor continua no PMDB? Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.

Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma? Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.

O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso? Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado. O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.

"O marketing de Lula mexe
com o país. Ele optou
pelo assistencialismo,
o que é uma chave para
a popularidade em
um país pobre.
O Bolsa Família é
o maior programa
oficial de compra
de votos do mundo"

Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação. O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.

O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes? Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.

A oposição está acuada pela popularidade de Lula? Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.

"Eu fui oposição ao governo militar e me lembro de que Médici era endeusado no Nordeste. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura.
A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição"

Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política? Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.

Por que há essa banalização dos escândalos? O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.

É possível mudar essa situação? É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.

Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff? A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.

O senhor parece estar completamente desiludido com a política. Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.

xxx

Essa entrevista mais o discurso de ontem (3 de março) transcrito abaixo criaram uma polêmica terrível. Leiam:

Discurso Pronunciado pelo Senador Jarbas Vasconcelos no Plenário do Senado Federal no dia 3 de março de 2009.

Senhor Presidente,

Senhoras Senadoras,

Senhores Senadores,

Volto a esta tribuna duas semanas depois da entrevista que concedi à Veja, na qual analisei o quadro político do Brasil. Nesse período, li, vi e ouvi as mais diversas análises sobre as minhas palavras. Levantaram teorias conspiratórias, tentaram me descredenciar.

Neste exato momento em que falo para os senhores e senhoras, sei que estão vasculhando a minha vida, investigando as minhas prestações de contas à Justiça Eleitoral e à Receita Federal. Não tenho o que esconder, pois disputei em Pernambuco algumas das eleições mais acirradas da história do Estado.

Não temo esses investigadores, apesar de considerá-los credenciados para tal função, pois de crimes eles entendem.

Essas iniciativas, que têm por objetivo me intimidar, não me surpreendem nem me assustam. Tenho 40 anos de vida pública. Fui Deputado Estadual, Deputado Federal, Prefeito e Governador, sempre com votações expressivas e com reconhecimento da maioria do povo de Pernambuco.

A esses arapongas digo apenas que enfrentei coisas piores quando, na década de 1970, denunciei torturas e violências praticadas pela ditadura militar. Eles não me amedrontam.

Estou nesta Casa há dois anos e um mês, e nada do que afirmei ao repórter Otávio Cabral difere muito do que eu disse a alguns dos senhores e das senhoras. Nesta mesma tribuna, já critiquei a degradação pública à qual está submetido o sistema político brasileiro, alertando para a desqualificação moral dos partidos políticos.

A verdade é sempre inconveniente para quem vive da mentira, da farsa e é beneficiário dessa realidade perversa. Eu constatei o óbvio. Apenas isso. Essa realidade exige ações corretivas - correção de rumos e de práticas.

Nunca tive, não tenho e nem desejo ter vocação para ser paladino da ética. E mais: desconfio daqueles que querem sempre pairar acima dos demais. A verdade é que fui eleito Senador da República para exercer uma função política e não policial ou investigatória.

Mas quero aqui me colocar à disposição de todos aqueles que dentro e fora do Congresso Nacional defendem pensamento semelhante: querem partir para a ação e dar um basta aos desvios no exercício da função pública. Alguns parlamentares já me procuraram com esse objetivo. A eles assegurei o meu apoio e o meu engajamento.

O meu objetivo primordial foi atingido ao fazer com que uma parte expressiva da sociedade brasileira prestasse mais atenção no que ocorre no nosso País. Um quadro aterrador que até agora vinha sendo encoberto pelos bons resultados da economia. O resultado prático foi mostrar ao cidadão comum que vale a pena se indignar, que nem tudo está perdido, que compactuar com a corrupção não é pré-requisito para a carreira política.

É extremamente necessário que algo seja feito, antes que essa degradação comprometa a nossa democracia, levando as novas gerações a um quadro de desalento para com o exercício da política.

Mais importante ainda é que essa mobilização não fique restrita à Câmara e ao Senado, mas que reflita prioritariamente o desejo da sociedade brasileira, o desejo de quem hoje se expressa apenas por meio de cartas, de e-mails e de telefonemas. O exercício da política não comporta espectadores. Quem não faz política verá outros fazê-la em seu lugar, para o bem e para o mal.

Senhor Presidente, cobraram-me nomes, uma lista de políticos que não honram o mandato popular conquistado. A meu ver, essa cobrança em si já é uma distorção do papel de um Parlamentar, que deve ser o de lutar pela ética e por políticas públicas que façam o País avançar.

Instituições como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, a Polícia Federal e a própria imprensa têm dado uma contribuição inquestionável e valiosa nessa área.

Não sou afeito aos holofotes e à palavra fácil. Os jornalistas que cobrem os trabalhos do Senado Federal sabem do que estou falando. Mas uma coisa eu posso assegurar: sempre tive posições claras, mesmo nos momentos mais obscuros da história do Brasil. Tenho ojeriza à passividade e à omissão.

Os recentes acontecimentos na Fundação Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários de Furnas e da Eletronuclear, são uma prova clara e inequívoca do que explicitei na minha entrevista. Repito: não preciso citar nomes, pois eles vêm à tona, infelizmente, quase que diariamente.

A população que paga seus impostos não compreende o porquê da disputa ferrenha entre grupos partidários, sempre envolvendo empresas de orçamentos bilionários.

Quando ocorrem casos como o de Furnas, não dá para esquecer o que aconteceu e o que foi dito. É papel do chefe do Executivo, no caso, o Presidente da República, instalar uma auditoria independente que coloque tudo em pratos limpos. Essa deveria ser a atitude a ser tomada, e não a de deixar a poeira baixar, esperando que a história seja esquecida, abafada por um novo escândalo.

Celina Vargas do Amaral Peixoto, socióloga reconhecida internacionalmente, neta do Presidente Getúlio Vargas, em carta publicada pela revista "Veja", edição de nº 2.101, se manifesta tão horrorizada quanto eu com a degradação do quadro político nacional:

(Abre aspas:)

"Os políticos lutavam por projetos. Brigavam dentro e fora dos partidos, por ideias e pelo poder legitimamente constituído ou não. Entendia-se que o homem público tinha uma missão a cumprir."

(Fecha aspas.)

Ou resgatamos essa lógica para o exercício da política ou vamos continuar estampando capas de revistas e jornais da pior forma possível. Não pensem que me agradou dizer o que eu disse, mas estou convicto de que tinha de fazê-lo.

Aproveito esta oportunidade para agradecer as milhares de correspondências que recebi em apoio a minha entrevista. Foram e-mails, cartas, telegramas, telefonemas. Expresso minha gratidão também pelas cartas enviadas aos jornais e à revista Veja, as quais tive oportunidade de ler nos últimos 15 dias.

Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,

O exercício da política não pode ser transformado em um balcão de negócios. O que se vê hoje no nosso País é um sentimento de descrença, com a impunidade corroendo as bases da democracia.

O poder pelo poder leva ao quadro político degenerado que hoje vivemos no nosso País, no qual a esperteza é mais valorizada do que a inteligência e a correção ética.

A conclusão de tudo isso é óbvia. O caminho para resolver as pendências da nossa democracia está em pauta há anos. Refiro-me à Reforma Política - não a esse arremedo de reforma que chegou recentemente ao Congresso Nacional, a qual, segundo afirmam, será "fatiada". Também não me refiro à fidelidade partidária com "prazo de validade", aprovada pela Câmara dos Deputados.

Uma reforma política séria deve, em minha opinião, incluir e aprovar pelo menos quatro pontos:

1 - Financiamento público de campanha;

2 - Fidelidade partidária;

3 - Fim das coligações em eleições proporcionais e

4 - Implantação da cláusula de desempenho.

O financiamento público de campanha é indispensável para evitar a interferência cada vez maior do poder econômico, que corrompe o processo eleitoral.

A proposta de reforma política debatida há algum tempo pela Câmara dos Deputados previa o financiamento público com um custo para a campanha eleitoral de R$ 7 reais por eleitor. Hoje isso representaria um custo de aproximadamente R$ 914 milhões de reais para uma eleição nacional, tomando como referência um eleitorado de 130,6 milhões de pessoas.

De acordo com números do Tribunal Superior Eleitoral, a campanha eleitoral do ano passado custou cerca de R$ 2,43 bilhões. A imprensa, por sua vez, calcula que a despesa real representou até cinco vezes esse valor, chegando à cifra de R$ 12,15 bilhões - mais de 12 vezes o valor estabelecido no projeto da reforma política!

Não sou ingênuo de acreditar que o financiamento público sozinho vá resolver o problema da corrupção e do desvio de recursos públicos para as campanhas eleitorais. Isoladamente, nenhuma dessas propostas que eu citei dará resultados amplos. Por essa razão, questiono a chamada "reforma fatiada".

A fidelidade partidária, por sua vez, é um instrumento para impedir o degradante festival de adesões fisiológicas. Não condeno quem esteja insatisfeito num lugar e queira ir para outro. Mas, no caso dos partidos políticos, isso deve ser a exceção e não a regra, que tem prevalecido há alguns anos.

De todas as medidas de uma reforma política séria e objetiva, talvez a única que obteria um resultado extraordinário isoladamente é a proibição das coligações nas eleições proporcionais. Essas coligações são uma deformidade existente apenas no Brasil, onde se vota em Jose e se elege João.

Senhor Presidente, se o Congresso Nacional fala da reforma da Previdência, todos se interessam. Recebemos milhares de e-mails, milhares de ligações telefônicas. O mesmo se aplica às reformas trabalhista e tributária. Mas a reforma política é vista pela opinião pública como algo de interesse exclusivo dos políticos.

O cidadão talvez não compreenda que a reforma política é a "mãe" de todas as reformas, justamente por assegurar o aprimoramento das instituições responsáveis pelo encaminhamento de todas elas.

Outro espaço para a degradação do exercício da política reside no Orçamento Geral da União. Sua elaboração, aprovação e execução precisam passar por uma profunda e séria reformulação, que estabeleça obrigações severas para o Poder Executivo.

O Parlamento não pode continuar sendo um mero atravessador de verbas públicas, com emendas liberadas às vésperas das votações que interessam ao Governo.

As distorções começam na elaboração do Orçamento, permanecem na sua aprovação e atingem o auge na hora da liberação dos recursos e quando o dinheiro, que deveria ir para obras prioritárias nos municípios, escorre pelos esgotos da corrupção e dos desvios, muitas vezes com a participação dos ordenadores de despesas do Poder Executivo, indicados pelos partidos.

Senhoras Senadoras, Senhores Senadores

Eu Gostaria de aproveitar esta oportunidade para informar que apresentarei um Projeto de Lei que proíbe que as diretorias financeiras de empresas estatais possam ser ocupadas por indicações partidárias. Minha proposta reservará esta posição com exclusividade para funcionários de carreira dessas empresas e autarquias.

Além disso, o nome dos diretores deverão ser aprovados pelo Senado Federal, seguindo o exemplo do que já ocorre hoje com os dirigentes das agências reguladoras.

A classe política - se tivesse bom senso - deveria ficar a quilômetros de distância de qualquer diretoria financeira.

Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,

Deixei para a parte final deste meu pronunciamento a questão da impunidade, que considero a conseqüência mais nefasta do quadro de degradação da política e dos nossos compromissos políticos, sociais e éticos.

A impunidade estimula a corrupção, é um cancro que precisa ser extirpado.

Apesar das promessas reiteradas em cada discurso de posse, a cultura da impunidade não apenas permanece entre nós, mas se estabelece em bases sólidas num terreno cada vez mais fértil.

Em outros países - e temos diversos exemplos recentes - uma mera suspeita é suficiente para que haja uma renúncia, a fim de que alguém rejeite uma colocação pública. E essa iniciativa não representa uma confissão de culpa, como alguns poderiam dizer. Significa apenas a sensatez de separar o espaço público das pendências privadas.

No Brasil dos dias atuais, a certeza da impunidade dá uma força muito grande a quem não agiu com lisura e correção. As pessoas se agarram aos cargos como um marisco no casco de um navio - não caem nem nas maiores tempestades.

Senhor Presidente, a corrupção é um fator de desagregação política e social. Ela conduz ao desgaste e enfraquece profundamente a legitimidade do poder constituído.

A partir dessa constatação, gostaria de apresentar mais duas propostas que julgo serem de grande importância, apesar de não serem originais, pois recorri a um documento amplamente difundido há alguns anos. Essas sugestões vou fazer à Frente Parlamentar Anticorrupção:

Primeira - A criação de uma agência anticorrupção, com participação do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e de representantes da sociedade civil, para detalhar um Plano Nacional Anticorrupção.

Segunda - A retomada do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que pretende acompanhar, junto aos Tribunais Regionais Eleitorais e ao Tribunal Superior Eleitoral, todos os processos relativos às denúncias de compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.

Eu gostaria também de citar o trecho de um documento que tive oportunidade de ler recentemente.

(Abre aspas:)

"A corrupção no Brasil tem raízes históricas, fundamentos estruturais e impregna a cultura de setores importantes do espectro social, político e econômico. A prática de corruptos e corruptores na esfera do poder se dissemina pela sociedade, como exemplo negativo que vem de cima. O compromisso em erradicá-la não pode se limitar a uma prática de denúncias eventuais e, muito menos, servir a fins eleitorais ou políticos imediatos. Ela exige uma intervenção enérgica pelo fim da impunidade e requer ampla ação cultural educativa pela afirmação dos valores republicanos e democráticos em nossa vida política".

(Fecha aspas.)

Senhores Senadores, Senhoras Senadoras,

Essas duas propostas que acabei de apresentar e também o texto citado constam do documento "Combate À Corrupção - Compromisso Com A Ética", parte do "Programa de Governo 2002 Lula Presidente".

Tomei a liberdade de incorporá-los ao meu discurso por considerar que trazem abordagens atuais, corretas e, principalmente, por nunca terem sido postas em prática pelo atual Governo.

Senhor Presidente,

Encerro o presente discurso com um elogio à CNBB, que, entre os temas da Campanha da Fraternidade deste ano, defende denunciar os crimes contra a ética, a economia popular e as gestões públicas, assim como a injustiça nos institutos da prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para crimes comuns.

É essa a postura que se espera da sociedade civil, das igrejas, das entidades de classe e da imprensa. A mudança de postura que se faz necessária no Congresso Nacional só virá pela pressão de todos.

Era o que tinha a dizer.

Muito Obrigado.

xxx


Mais sobre a polêmica aqui no GoogleNews. Tem nem muito o que falar, é triste...

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