segunda-feira, 23 de março de 2009

Um bonsai de totalitarismo



A Áustria é um país bonito, desenvolvido, organizado, certinho, e coisa e tal, que deu ao mundo pessoas incríveis, como o exterminador governador do estado americano da Califórnia, o republicano Arnold Schwarzenegger, os músicos Mozart e Strauß, o bigodudo pai da psicanálise Freud, os economistas Hayek e Von Mises, grandes liberais, e aquele piloto de Fórmula 1, o doido do Nikki Lauda, e claro as maravilhosas pistolas Glock.

Como nada é perfeito, Adolf Hitler nasceu lá, como também o 'monstro do porão', Josef Fritzl, que prendeu a filha por 24 anos sem levantar suspeitas, estuprando-a seguidamente e tendo vários filhos. Antes de dormir assisti a um documentário no canal GNT sobre esse tal Fritzl, e fiquei muito chocado. O documentário tem quase um ano, mas só assisti agora.



Quando lemos notícias deste tipo, horripilantes, vemos algumas fotos nos jornais, revistas e pela internet, ficamos já profundamente impressionados. Porém, nada como um bom documentário, mais invasivo, para dar ao nosso espírito todo impacto de certos acontecimentos. Ficamos imaginando os motivos que levaram um pai a tal loucura. Imaginamos como sentia-se a linda jovem sendo estuprada pelo pai, e tendo vários filhos. A agonia de anos e anos sofrendo taissuplícios . Não consigo imaginar uma pessoa sã que não sinta enorme repulsa ao tomar conhecimento desta sucessão de crimes diabólicos. Prender uma inocente. Estuprar. Ter filhos. Com a própria filha. Que desgraçado!

Agora, vejam a vida como é. Inúmeros ditadores prenderam num porão populações inteiras. Como o austríaco, para permanecerem incontestavelmente no poder prendiam, manipulavam, controlavam totalmente. Chantageavam. Estupravam. Matavam. “Power tends to corrupt; absolute power corrupts absolutely", já dizia Lord Acton. Parece que quanto maior o poder, mais complicado fica para a consciência individual controlar o impulso sexual. Desde sempre. Na Roma antiga, orgias. Idade média, até romper com a Igreja Católica teve rei que rompeu, por seu desejo sexual. Modernamente, tudo se repete. Hitler e suas bizarrices, com namoradas tentando suicídio de tão pesadas suas perversões. Mussolini, o da voz bonita, outro grande namorador. Fidel Castro e suas 35.000 mulheres. Trinta e cinco mil. Trujillo, o bode, que deu até em filme, com Isabella Rossellini. O poder totalitário põe você no limite. Você pode ter sórdidos desejos, de transar com inúmeras moças jovens, tenras, de rostos angelicais, seios firmes, pele macia, nádegas agradáveis ao toque, cabelos sedosos e perfumados. Você pode dar vazão à besta. Matou seus opositores. Domina a situação. Caso note algum olhar de reprovação, seja de quem for, você arranca os olhos. Sua presença deixa o ar pesado. É um ditador. Um fascínora. Seguiu a cartilha macabra de fazer tudo que foi possível e impossível para assumir o poder. Quem diabos pode dizer algo de sua vida sexual nessa posição? O problema não é nem dizer, e daí que digam? Que se escandalizem. Horrorizem. Grande coisa. Você é superior. A lei, a ordem, tudo, depende de você. Nem precisa ser ditador, lembrem-se do malandro ex-presidente Bill Clinton e o caso da boqueteira estagiária.

Então analizemos friamente: sentimos revolta sobre essa desgraçada história do porão por qual motivo? Será que é por ser pai e filha? E se fosse uma estranha? Você sentiria tanta repulsa? Não houvesse o script do papel do pai protetor e tal, a história seria tão arrepiante para você? Pra mim daria no mesmo. Fosse uma qualquer, um qualquer, o que fosse. Manter-se uma pessoa sem merecer presa, sem direito a nada, vivendo numa condição inominável, pode ser num porão, como neste caso austríaco, numa ilha, como Cuba, ou num continente, como a Coréia do Norte.

São todos Josef Fritzl e todos os cidadãos são Elizabeths. O estupro da liberdade de expressão, a clausura, o terror de depender do carrasco, são rigorosamente os mesmos. Quem não tiver o mesmo sentimento com relação aos regimes totalitários, ou regimes fritzlianos, tem uma grave perversão moral, do nível de qualquer ditador destes, vermes dos vermes, seja de todo um continente, ou de uma única cela. Porão. É uma diferença de tamanho, apenas.

O mundo agora encontra-se em fase de fritzlização, e só vejo as pessoas escandalizadas com totalitarismos bonsai, quando tem uma Amazônia de totalitarismo crescendo bem debaixo de seus narizes.

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