quinta-feira, 9 de julho de 2009

Faces do socialismo



Estava eu dando uns goles num bom vinho, quando acho um interessante debate na TV. Era uma discussão sobre o fechamento dos manicômios, e os participantes eram em três: uma militante da luta anti-manicomial, Iracema Polidoro, o chefe do serviço de psiquiatria do Hospital Universitário Clementino Fraga, Dr. Marco Antonio Alves Brasil, e o poeta Ferreira Gullar, pai ele mesmo de dois filhos esquizofrênicos. Lá pelas tantas, a militante falou em algo como se quisesse transferira responsabilidade da loucura par a família do doido paciente psiquiátrico, e foi interrompida pelo poeta – grande conhecedor do sistema manicomial – e afirmou que quem dizia algo assim era uma "falsa esquerda", que invertia a causa e efeito. Seguindo o raciocínio, o poeta disse que assim não havia loucos, era a sociedade que era doente, não havia bandido, era a sociedade que os produzia, etc.

Isto marcou-se em minha mente, como um post-it, para posterior análise. Ora, o que ele queria dizer exatamente com "falsa esquerda"? Seriam produzidos onde, os falsos esquerdistas? China? Vendidos onde? No Paraguai?

Brincadeiras à parte, o fato é que essa discussão sobre a legitimidade da esquerda torna-se um assunto totalmente fútil frente ao mal, bem real e concreto, que os governos de esquerda fizeram e fazem onde foram constituídos. Frente à desinformação perpetrada, por décadas inteiras, pelos defensores desta forma de organização social, imagino que grande parcela da população nos países democráticos que não gosta de política, nem se interesse por tais assuntos, ou mesmo não dominem consistentemente as definições, olham até com bons olhos idéias aparentemente inofensivas dos socialistas. Tentarei resumir as faces deste sistema totalitário, assim como é vendido para o mundo, principalmente nos países democráticos. Por óbvio que assunto de enorme complexidade não pode encerrar-se aqui, nem tenho pretensão de fazê-lo, pois creio ser necessário muito maior musculatura mental. É, portanto, uma tentativa humilde para definir, dentro deste intrincado objeto de estudo, cores mais compreensíveis, permitindo ao cérebro de fazer como nas nuvens, onde podemos, de acordo com nossa boa vontade, ver animais, objetos, e as mais variadas formas.

Socialismo como forma de "justiça social"

Arrisco que tal pensamento tacanho sustenta-se pelo seguinte raciocínio:

Todos problemas do mundo são causados pela exploração dos pobres pelos ricos. Suprimindo estes últimos, ninguém mais passará fome, tampouco existirão maiores problemas.

Seria uma análise, como direi, de uma "falsa esquerda"? Simplificando os complexos problemas do mundo para caberem numa solução mágica? De toda forma, é uma idéia que não encontra maior sustância quando examinada minimamente.

Começo logo dizendo que ter ou não ter, antes de mais nada, depende de um estado de coisas. Mesmo numa situação onde não exista Estado constituído, ou onde não se faça presente, o ter depende de algo para manter esta posse. Neste panorama, imaginemos um conjunto de fazendeiros, que unidos num clã criam gado. Sem o Estado para defendê-los, baseiam suas propriedades unicamente na certeza de que caso sejam roubados os outros tomarão partido e partirão ao encalço dos ladrões. Observem friamente que só tomaram esta medida por partilharem certos valores, muito definidos, em comum. Não é preciso muita imaginação para criarmos inúmeras situações em qualquer tempo ou escala, onde isto ocorra. Tal idéia permitiu mesmo a criação das nações, de grupos como a OTAN, ou como gangs de bairro. Embora não compartilhem todos os valores, um grupo específico é bastante considerado e valorizado. Por exemplo, um fazendeiro pode ter o valor de andar despido por suas terras, bem como sua família e agregados. Já outro pode seguir o vegetarianismo, criando os animais somente para leite e lã. Entretanto, sem o valor em comum da propriedade, tal comportamento de correrem atrás dos gatunos não seria possível.

Certas crenças mais ou menos complexas ou cheias de nuances permitiram e permitem todas as sociedades de existirem. Porém, quando crenças-chave não combinam, todos sabemos o resultado: a guerra.

Ter, possuir, não é fruto de um capricho, nem de um complô, nem roubo, e sim resultado dos esforços bem sucedido para satisfizer as necessidades alheias, de maneira à atender suas próprias necessidades. Isto claro numa sociedade que tenha como valores coincidentes a propriedade privada, a livre iniciativa, e a liberdade individual. Esta idéia fica totalmente deturpada por quem tem uma crença errônea justamente no núcleo do processo produtivo. O esquerdista segue Marx, que propunha que a quantidade de trabalho empregada na confecção de uma mercadoria define única e totalmente seu valor. Assim, seguindo esse raciocínio, caso você decida comprar um Boing 787 por US$ 120 milhões para inaugurar sua companhia aérea, o valor das passagens pago pelos 210 passageiros do vôo inaugural não vai para você, e sim, para o piloto, co-piloto e comissários de bordo e pessoal em terra.

Pensando minimamente sobre o tema, notamos que o valor das coisas independe de algo abstrato, imutável, eterno. O valor de algo depende unicamente dos variados motivos e das tensões de procura e oferta. Num país as circunstâncias permitem à loja ofertar uma BMW tamanho médio, nova, no valor de US$ 30.000,00 enquanto noutro país por conta nem tanto das tensões de oferta e procura, e sim as circunstâncias – como impostos, taxas, custos – o valor sobe para US$ 100.000,00, se convertidas as moedas. O automóvel teve seu trabalho para ser feito triplicado? Não, apenas as circunstâncias mudaram. Outro exemplo mais simples: numa cadeia um maço de cigarros vale bem mais que o valor fora daquela situação. Nada disso importa para o hábil alemão, que usou de sua conhecida dialética para moldar as relações mercadológicas para como ele queria que elas fossem, e não, como são. Por algum motivo cuja etiologia talvez somente a psicanálise possa demonstrar, Marx quis extrair um valor absoluto do trabalho, como o calor da termodinâmica, a luz da ótica, e Böhm-Bawerk explica muito mais conveniente e detalhadamente do que eu, aqui. Reduzir a complexidade da precificação e da subjetividade do valor, é como reduzir todas intrincadas relações humanas aos trejeitos pueris de personagens fictícios, como numa novela para teenager, tipo, Malhação, da TV Globo.

Socialismo como forma de ser "bonzinho"

Creio que esta é a visão mais pop do socialismo. Não sei se é a mais idiota. Ser artista e não ter as idéias meio socialistas, nem falar tanto nos tantos chavões como criticar a distribuição de renda, criticar os bancos, dizer que está envolvido em causas sociais, não dá audiência. Criticar a indústria de armas como causadora de guerras, massacres, e até do alto índice de criminalidade, dá maior Ibope ainda. O crème de la crème é criticar os "burgueses"sendo pagos por eles, em festas deles, bem na cara deles, que idiotas, riem e acham o máximo. O máximo para tais estrupícios é realizar shows, peças de teatro, filmes -- tudo pagos obviamente por paquidermes como as Petrobrás da vida -- e pagarem de pessoas boas, evoluídas, com seus sorrisos odiosos e roupas chics, olhares blasè, declarações propositalmente afetadas, como pudessem ser cheios de comiserações pelos problemas do mundo, entorpecidos como são em sua maioria por todo tipo de psicotrópicos, vida sexual e amorosa desenfreada, bem como por seus egos inflados, e suas crises existenciais.

Socialismo como forma de ser "revolucionário"

Abarca todos idiotas como o sanguinário Che Guevara, cuja face supera em muito o simpático Mickey Mouse em número de aplicações e usos, estando inacreditavelmente em todo lugar, do chaveiro à bandeira de torcida organizada. O estudante de universidade federal protestando "contra o imperialismo". O ignorante de boné vermelho do revolucionário e perigosíssimo MST. O padre vermelho. O artista cuja obra ninguém paga para ver, mas existe por obra e graça do dinheiro estatal. Enfim, os maravilhosos seres humanos imaginando-se procuradores de um "bem" comum, levando até as últimas consequências seus atos que por mais torpes sejam, imaginando serem purificados pela gloriosa frase: os fins justificam os meios.

A vontade transcende a razão, e inteligência não é sinônimo nem de idoneidade nem autocensura. A paixão cega, e todos conhecemos quem já ficou cego de amor por uma pessoa, e quase todos nós já ficamos, em maior ou menor grau. O mesmo processo acontece com quem apaixona-se por um ideal, ainda mais quando tal ideal alcança a envergadura de uma ideologia, que tem o poder satânico de se reinventar, de permitir tantos maneiras de se fazer compreender, de se fazer propagar, de se fazer mudar sem transparecer, com um cogumelo atômico a elevar-se lentamente, numa escultura horrível e colossal, ícone máximo da capacidade destrutiva e resultado nefasto na aplicação tortuosa das capacidades humanas.

Prendendo para libertar, matando para fazer viver, promovendo a fome como forma de dar comida, assim sucessivas gerações de revolucionários devastam o mundo para depois implementarem suas mudanças. Uns, infantilmente, como a criancinha usando de sua crueldade destrói o castelo de areia, ou quebra o brinquedo, para depois refazer. Outros, de caso bem pensado, impõe ao mundo sua visão particular como a única possível, e obviamente a mais correta, mesmo que os meios não indiquem nenhuma possibilidade concreta de algum fim ser possível, a não ser o fim da humanidade.


Depois, talvez, volte a estas faces trágicas...


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